Intervenção médica e liberdade no parto: qual o limite? Durante muito tempo as estatísticas no Brasil mostravam que a maioria dos partos ocorria por meio de cesariana. Nos últimos anos surgiu um grande movimento a favor parto normal e natural.
Então, passou a se difundir pela sociedade a humanização do parto. Surgiram figuras de doula, técnicas mais humanizadas para o parto.
Segundo as orientações da Organização Mundial de Saúde essas são as diretrizes corretas. No entanto, surgem muitas dúvidas quanto ao limite da intervenção médica versus a liberdade do paciente.
Minha Experiência na Holanda
Durante o período em que morei na Holanda pude vivenciar a realidade daquele país sob diversos aspectos. Incialmente, eu cheguei grávida do meu segundo filho. Assim, conheci na prática esse contexto. Aqui cabe uma ressalva quanto ao sistema holandês.
Primordialmente, saúde pública é igual para todos. Isso significa dizer que não há diferença de tratamentos. Ou seja, todos pagam pelo serviço e não distinção. Na verdade, o país é desenvolvido. Ao contrário do Brasil não há desigualdade social.
Igualdade de tratamento
Desse modo, os parâmetros são os mesmos. Professores, médicos, lixeiros, todos são atendidos nos mesmos estabelecimentos médicos. De um lado, não há hospitais com serviços de hotelaria e, por outro, tampouco, filas gigantescas de espera.
Além disso, dificilmente se encontram clínicas particulares. Isto é, o sistema é centralizado. Exames são restritos e controlados. Em geral, o resultado é positivo.
Outra ressalva é característica cultural daquele país. Remédios são prescritos excepcionalmente. Por esse motivo é bem comum ouvir que alguém não está bem e vai para casa tomar um chá e paracetamol. Essa é a prescrição geral.
Estrangeiros comumente trazem medicamentos na bagagem e se surpreendem com a situação corriqueira. Conseguir a receita de um antibiótico, por exemplo, é algo extraordinário.
Huisart – o médico de família
Ademais, há a figura do médico de família. Ele concentra os tratamentos de um grupo de famílias. Normalmente, são pessoas do bairro. Em síntese, o médico de família é o primeiro a saber de eventual doença.
Importante esclarecer que ele é um clínico geral que atende qualquer doença. A única exceção são as clínicas pediátricas. Para vacinas e acompanhamento de crescimento são as indicadas.
Ainda em relação ao huisart, como é chamado em holandês, somente ele pode encaminhar o paciente para um especialista. Ou seja, casos dermatológicos, de ginecologia, ortopedia, todos sem exceção iniciam com o huisarts.
Após a primeira consulta, caso ele entenda necessário, encaminhará para o especialista. Só como esclarecimento não é fácil chegar a um especialista.
Pré-natal na Holanda
Vale ressaltar que em situações diversas há alteração no padrão de atendimento. Em relação ao pré-natal, a gestante realiza três ultrassons durante a gravidez. Esse é o padrão de normalidade. Em seguida, o parto ocorre com o acompanhamento de uma profissional de saúde.
Na verdade, existe uma formação específica, obstetriz. É a profissão entre o obstetra e a enfermeira. Em seguida, o parto pode ocorrer em casa ou no hospital. Se ocorrer no hospital, a internação para parto normal ou natural é de 4 a 6 horas. Isso mesmo, a parturiente e o bebê retornam para casa logo após o parto.
O governo oferece a ajuda de uma pessoa. Uma enfermeira que também realiza tarefas da casa.
Situação privilegiada
Sem sombra de dúvidas é bem diferente da realidade brasileira. Claro que para nós, privilegiados, com plano/seguro saúde privado é difícil entender a situação holandesa. Mas para a maior parte da população brasileira esse seria o ideal do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Apesar do SUS ter cobertura total, na prática a realidade é muito diferente. Filas enormes, falta de atendimento.
Dessa maneira, a Holanda seria algo muito melhor.
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Intervenção médica e liberdade no parto: qual o limite?
Entretanto, há outra questão. Conforme o sistema de saúde atenda a todos indistintamente, o gasto público é grande. Para manter a economia as políticas públicas são de retenção. Assim, além do controle de exames, internações curtas para partos incentiva-se o parto natural.
Com isso, eu digo que muitas vezes, apesar da prescrição para uma cesariana, busca-se o parto natural como contenção de gastos.
Sem dúvida, como consequência são altos índices de problemas com a parturiente e com o bebê. Aliás, esse era o meu grande medo na Holanda. Escutava muitos casos em que com a tentativa frustada de um parto normal ocorria a cesárea de urgência.
Semelhantemente, esse é um novo contexto que aparece no Brasil. Relatos de bebês que nascem com sequelas ou baixo apgar em decorrência do parto de longa duração. A analgesia tardia também é relatada como problema.
Intervenção médica e liberdade no parto: qual o limite? Breves Conclusões
Por fim, nesse texto faço uma reflexão: saber qual o limite de interferência médica e autonomia da parturiente. Até que ponto o parto natural deve ser mantido e não a realização de uma cesariana? Pode a paciente escolher o momento da intervenção ou deve o médico agir de antemão.
Não obstante a responsabilidade do médico, esse não é o meu questionamento, mas o limite tênue no momento do parto. A viralização da humanização do parto esbarra na medicina. Sobretudo surge um grande entrave.
Certamente esse é um tema a ser estudado e debatido no Brasil e pelo mundo. O extremo de cesáreas agendadas e de outro lado o parto normal a qualquer custo. Você já pensou sobre essa questão?
